Negros
são os mais ameaçados por crise econômica no Brasil, diz relatora da ONU
Hugo Bachega - @hugobachega Da BBC Brasil em Londres
Segundo relatora, Brasil pode fracassar em capitalizar os avanços de
inclusão feitos até agora
A "pobreza tem cor no Brasil", e os
negros são os mais ameaçados pela crise econômica do país, diz Rita Izsák.
Relatora especial das Nações Unidas sobre Questões
de Minorias, ela elogiou políticas de igualdade adotadas pelo Brasil, mas
alertou que essas comunidades "imploram" por resultados imediatos.
"As pessoas estão muito impacientes", disse Izsák, em entrevista à
BBC Brasil.
No relatório, apresentado na última quinta-feira,
ela criticou a falta de representatividade de negros em posições públicas e
privadas e disse que o país pode fracassar em capitalizar nos avanços feitos
até agora se não houver diálogo e confiança. "O tecido social é muito
frágil".
Foi a primeira missão oficial de Izsák no Brasil.
Em 11 dias, visitou cidades na Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo.
Nascida na Hungria, ela disse ainda que a mídia
precisar expor mais "modelos negros" para romper o ciclo de
marginalização, e que a exposição de negros na TV é, geralmente, relacionada à
violência e à criminalidade. "Infelizmente, não há modelos
positivos".
Veja abaixo trechos da entrevista, feita por
telefone, de Brasília.
BBC Brasil - Qual é a conclusão do relatório?
Rita Izsák - Há muitas boas leis e políticas para proteger os
direitos das minorias. No entanto, elas exigem medidas mais imediatas que
possam se manifestar em mudanças reais em suas vidas.
Trata-se de um momento muito positivo no Brasil.
(Mas) eu vejo que o tecido social é muito frágil, as pessoas estão muito
impacientes, especialmente grupos que sentem que estão marginalizados há muitos
anos e querem mudanças reais.
Mas, ao mesmo tempo, todo mundo reconhece que
depois de 500 anos de injustiça e escravidão é muito difícil obter progresso.
Mas há certas medidas e políticas que deveriam ser adotadas o mais breve possível.
Izsák
apresentou relatório sobre minorias em Brasília e disse que 'pobreza no Brasil
tem cor'
BBC Brasil - No relatório, a Sr.ª diz que os negros
brasileiros são "marginalizados", apesar de todas as políticas
recentes de inclusão. Como isso se dá na realidade?
Izsák - Há estatísticas claras das diferenças de
expectativa de vida, renda, representação dos negros na sociedade. E há alguns
dados bem chocantes que deixam claro esse 'abismo racial': em termos de
representação política e poder econômico, a população negra está realmente
atrás da população não-negra, branca.
O ponto bom é que isso é mostrado por dados e o
governo brasileiro adotou muitas leis para superar estes desafios.
BBC Brasil - A Sr.ª disse que a violência tem uma
"clara dimensão racial clara", incluindo violência policial. Negros
se tornam alvo por causa da cor?
Izsák - É uma questão muito complicada. A guerra às drogas
é uma fonte de violência contra brasileiros negros. A taxa de homicídios no
Brasil é estimada em 56 mil pessoas por ano (O Brasil é o país com o maior
número de homícidios do mundo em termos absolutos), e há estimativa que 75%
das vítimas sejam negros.
Trata-se de algo preocupante. Especialmente se
considerarmos que negros são 75% da população carcerária.
BBC Brasil - A Sr.ª disse que as minorias estão
"impacientes". Há algum risco de revolta social?
Izsák - Eu fui a favelas e comunidades quilombolas.
Favelas tendem a ficar nos subúrbios das cidades, em situações muito difíceis.
E as comunidades quilombolas, muitas vezes, estão bem longe de centros urbanos.
E essas comunidades estão realmente implorando por
medidas. Às vezes, o que elas pedem não é muito, como um centro comunitário.
Nas favelas, a população reivindica apenas alguns serviços, para que não fique
apenas nas ruas, mas tenha algo para fazer. Eles querem estudar, por exemplo.
Nas comunidades quilombolas, eles pedem a
demarcação da terra, para que tenham liberdade de sobreviver e continuar com
suas tradições.
E essas comunidades estão realmente ficando
impacientes. Eles recebem promessas, mas dizem que isso não é o suficiente.
E na atual crise política e econômica é importante
dizer que o Brasil está no caminho certo. Reconheço que houve muito progresso.
Mas ele não pode parar.
Essas comunidades reivindicam que as secretarias
especiais de Direitos Humanos e de Igualdade Racial mantenham suas posições,
tenham seus orçamentos e autoridade. Porque, caso contrário, temo que se esses
mecanismos desaparecerem, essas comunidades fiquem ainda mais desesperadas e
sem esperança sobre seu futuro.
Segundo relatora,
minorias estão impacientes e pedem por políticas públicas com resultados
imediatos
BBC Brasil - Parece ser um círculo vicioso difícil
de quebrar ─ os pais desses jovens passaram por dificuldades e agora são seus
filhos.
Izsák - O que nós ouvimos dos jovens nas favelas é que, às
vezes, eles precisam de um modelo. Porque não há professores negros. Ou modelos
positivos negros na mídia.
No horário nobre, é muito difícil ver algum
personagem negro positivo na TV. A comunidade negra é sempre retratada pela
ótica da criminalidade e violência. Quando não há modelos inspiradores...é
claro que esses jovens vão seguir os passos de traficantes que despontam como
indivíduos bem sucedidos em suas comunidades.
É possível romper esse círculo vicioso, mas é necessário
ter mais rostos negros no dia a dia em geral. E, para isso, é necessária uma
mudança radical sobre como a mídia retrata essa população.
BBC Brasil - E por que é tão difícil para a
sociedade brasileira acolher os negros, se 53% da população se diz negra (O
IBGE se refere a "pretos" e "pardos" como "negros").
Izsák - Essa é a pergunta de US$ 1 milhão! Isso é o que a
gente tem tentado descobrir. É dificil, porque quando nos encontramos com
autoridades, elas são brancas, na maioria. São bem comprometidas e dizem
"sim, a gente precisa superar isso".
Acho que é preciso uma mudança no pensamento.
Negros muitas vezes se consideram vítimas. E acho que é completamente
compreensível, dado o contexto histórico e escravidão.
Mas acredito que, muitas vezes, esse estigma também
vem da população branca, que ainda considera negros como animadores, sambistas,
por exemplo. Mas quando se trata de negros intelectuais, há uma abertura bem
menor. A gente precisa superar esses estereótipos.
Manifestante
em protesto no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro: relatora disse que
violência no Brasil tem uma clara dimensão racial clara'
BBC Brasil - O Brasil é um país racista?
Izsák - Há pessoas racistas, mas há também progressistas,
como em todo lugar. (Mas) eu não diria que o Brasil é um país racista.
Acho que uma das questões aqui é a concentração do
poder político, econômico e midiático nas mãos de algumas pessoas. E, entre
eles, encontramos muitos que não acreditam no potencial de negros. Não é que a
maioria dos brasileiros seja racista, eu duvido disso.
BBC Brasil - A sra. disse que "a pobreza no
Brasil tem cor". Os negros são os mais ameaçados pela crise econômica do
país?
Izsák - Com certeza, não há nenhuma dúvida sobre isso.