Invasão do Capitólio pode levar a afastamento de Trump?
Embora mandato acabe em 20 de
janeiro, democratas exigem destituição do presidente via impeachment ou regra
constitucional que prevê afastamento imediato. Quais as chances e requisitos
para que isso aconteça?
Juristas acham possível que Trump tenha de responder criminalmente por incitar seus seguidores |
Os incidentes no Capitólio são
motivo para impeachment?
Isso depende da interpretação.
Mas primeiro aos fatos: com a invasão
do Capitólio por apoiadores de Trump, a certificação
formal da vitória de Joe Biden nas eleições foi inicialmente
interrompida, mas retomada em seguida. Quatro pessoas foram mortas e mais
de 50 foram presas. Nesse meio tempo, um policial também morreu em decorrência
de ferimentos durante confronto com manifestantes.
Os democratas no Congresso
consideram o ocorrido como algo causado pelo presidente dos EUA, Donald Trump,
ao incitar seus apoiadores. Após os incidentes, o deputado democrata David
Cicilline divulgou uma carta pedindo ao vice-presidente Mike Pence que destitua
o presidente de acordo com a 25ª Emenda da Constituição.
Os integrantes democratas da
Comissão de Justiça da Câmara dos Representantes escreveram que Trump
incitou um motim e "tentou minar nossa democracia". A incitação ao
motim é algo relevante: Trump convocou seus apoiadores: "Estamos indo ao
Capitólio juntos para torcer por nossos bravos senadores e deputados, e estarei
com vocês", disse ele em um discurso a partidários antes da tomada do
Capitólio, no qual reafirmou que a eleição presidencial foi "a
eleição mais corrupta da história dos Estados Unidos" e que seus
apoiadores "nunca deveriam desistir".
A base jurídica para um possível
impeachment do presidente Trump é a Constituição dos Estados Unidos. O Artigo
2º, Seção 4, diz que um presidente pode ser destituído do cargo em caso de
"delitos ou crimes graves" (o chamado processo de impeachment). Isso
pode ser iniciado pela Câmara dos Representantes e decidido pelo Senado.
Sob pressão, Trump condenou ataque ao Capitólio em vídeo divulgado um dia após incidentes |
Portanto, a questão legal decisiva é: incitar uma revolta contra as instituições democráticas é um crime grave? "Há uma suspeita inicial de que alguém aqui tentou prejudicar a democracia e dar um golpe. Normalmente, num Estado de direito, isso teria de ser verificado pelo Ministério Público", diz Donald O'Sullivan, historiador da Universidade Estadual da Califórnia, em entrevista à DW. "Mas nos EUA o impeachment é um processo político, e você só pode prosseguir com ele se a maioria concordar." Ele afirma haver motivos suficientes para um processo, mas não acredita que tal medida tenha sucesso.
Os incidentes podem ser
atribuídos a Trump?
Existem conexões diretas que
levam a Trump. No dia da invasão do Capitólio, Trump discursou a seus
partidários na frente da Casa Branca e se declarou o vencedor da eleição
novamente: "Obtivemos uma vitória esmagadora."
Errado: os resultados
oficiais da eleição mostram que Biden obteve 306 delegados do Colégio
Eleitoral, claramente à frente de Trump, com 232. Trump também reiterou sua
afirmação de que "a fraude eleitoral ocorreu em todos os estados",
sem fornecer qualquer evidência. Essas alegações também foram adequadamente
refutadas. A agência federal americana CISA, responsável pela segurança
cibernética, afirmou que "as eleições de 3 de novembro foram as mais
seguras da história dos Estados Unidos".
Ambas as narrativas são
importantes para a convocação de Trump no final de seu discurso: sua suposta
vitória nas eleições e a suposta fraude foram os motivos de sua convocação para
que seu apoiadores fossem ao Capitólio, para dar aos parlamentares republicanos
"o orgulho e a coragem de reconquistar nosso país", disse, exortando
seus seguidores a serem "fortes". No Twitter, Trump contribuiu para
inflamar ainda mais o clima, até que a plataforma excluiu alguns de seus tuítes
e bloqueou temporariamente sua conta.
As declarações de Trump feitas
pouco antes do ataque, devem, portanto, ser vistas como um chamado para marchar
rumo ao Capitólio e tentar influenciar os parlamentares. O fato de Trump
ter mais tarde pedido para que os manifestantes permanecessem pacíficos não
muda esse fato, assim como o vídeo divulgado
pelo presidente condenando a invasão, um dia depois do ocorrido.
Que Donald Trump venha assumir a
responsabilidade política pelos incidentes e deixar o cargo de presidente por
sua própria vontade é algo considerado praticamente fora de questão. Isso não
combinaria com seu estilo político. Um afastamento antecipado do cargo teria de
ser forçado por meio de um processo.
Que opções oferece a 25ª Emenda
da Constituição dos EUA?
A "25ª Emenda" regula,
entre outras coisas, como um presidente pode ser destituído do cargo. A adição
foi criada em 1965 após o assassinato do presidente John F. Kennedy – na
verdade, para situações em que o presidente não pode mais exercer o cargo, por
motivo de doença, por exemplo.
A seção 4 da 25ª Emenda define
como o vice-presidente e a maioria dos 15 membros do gabinete podem declarar,
conjuntamente, o presidente como incapacitado. Para tanto, eles devem enviar
carta ao Congresso e à Câmara dos Representantes, atestando que consideram o
presidente "incapaz de exercer os poderes e deveres de seu cargo".
"Com isso, todo o poder
seria retirado de Trump, e o atual vice-presidente se tornaria o chefe de
governo", explica Kenneth Manusama, em entrevista à DW. O especialista em
direito constitucional dos Estados Unidos é professor na Vrijen Universiteit
Amsterdam. No entanto, ele levanta preocupações de que Trump poderia se
defender, escrevendo para ambas as câmaras do Congresso.
"Então, a bola estaria de
volta ao Congresso, onde a aprovação precisa de uma maioria de dois terços nas
duas câmaras." Até então, o gabinete poderia responder com um novo
certificado sobre a incapacidade de Trump para o cargo, antes que uma decisão
final no Congresso tenha que ser tomada em 21 dias.
Há tempo suficiente para uma
destituição até 20 de janeiro?
Destituir o presidente americano
em menos de duas semanas é concebível, mas apenas sob certas condições. Se for
acionada a 25ª Emenda, Trump pode ser removido do cargo imediatamente, mas
apenas em caráter temporário.
Politicamente, o cabo de guerra
entre o gabinete, o presidente e o Congresso poderia causar mais danos à
democracia dos EUA e provavelmente se arrastaria além de 20 de janeiro, dia em
que Joe Biden será empossado como o novo presidente dos EUA.
O afastamento por meio de um novo
processo de impeachment também seria algo incerto, já que Trump conseguiu
reverter um processo anterior de impeachment. E uma maioria de dois terços no
Senado seria necessária. Especialistas estão divididos sobre se isso poderia ser
alcançado no tempo que falta até 20 de janeiro.
Enquanto O'Sullivan considera
isso "improvável", o constitucionalista Frank Bowman, da Universidade
de Missouri, está convencido de que o afastamento poderia ser concluído mesmo
em um único dia: "Eles poderiam decidir formular uma acusação contra ele
até o meio-dia de amanhã, atravessar a rotunda do Capitólio até o Senado e
agendar o julgamento para começar amanhã à tarde."
Trump pode ser processado pelos
incidentes?
Juristas consideram possível que
Trump tenha de responder por incitação. "É a acusação mais provável
de ser levada adiante nesta situação, porque inclui a incitação à violência
contra o Estado. E foi exatamente isso o que aconteceu no Congresso",
afirma o jurista Kenneth Manusama.
O capítulo 115 da lei federal
americana prevê que incitar uma revolta contra o Estado é um ato criminoso.
Quem incita, ajuda ou mesmo participa de uma revolta contra a autoridade do
Estado "deve ser punido de acordo com esta lei", está escrito. Uma
pessoa condenada por esse delito não pode mais ocupar cargos públicos. Uma
tentativa de golpe pode ser punida com até 20 anos de prisão.
Atualmente, no entanto, Trump não
pode ser processado, porque é oficialmente imune a processos criminais.
"Mesmo se Trump fosse destituído do cargo pela 25ª Emenda, ele não poderia
ser processado, porque ainda seria legalmente o presidente", diz Manusama.
Portanto, Trump só pode ser processado por seu papel no motim de 6 de janeiro
após o fim de seu mandato.
E mesmo depois disso, O'Sullivan,
da Universidade Estadual da Califórnia, acredita que uma prisão de Trump
seja improvável. Ele observa que, embora vários promotores públicos já
estejam trabalhando em acusações sobre possíveis delitos
envolvendo fraudes financeiras e fiscais, uma condenação por tentativa de
golpe não seria realista.
"Tal processo é delicado.
Deve-se notar que muitos dos manifestantes seriam, então, considerados
culpados. Isso causaria uma cadeia de processos judiciais." E isso poderia
prejudicar a meta central do novo presidente Joe Biden: unir o país novamente.