sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Invasão do Capitólio pode levar a afastamento de Trump?

 Invasão do Capitólio pode levar a afastamento de Trump?

Embora mandato acabe em 20 de janeiro, democratas exigem destituição do presidente via impeachment ou regra constitucional que prevê afastamento imediato. Quais as chances e requisitos para que isso aconteça?

Manifestantes no Capitólio
Juristas acham possível que Trump tenha de responder criminalmente por incitar seus seguidores

Os incidentes no Capitólio são motivo para impeachment?

Isso depende da interpretação. Mas primeiro aos fatos: com a invasão do Capitólio por apoiadores de Trump, a certificação formal da vitória de Joe Biden nas eleições foi inicialmente interrompida, mas retomada em seguida. Quatro pessoas foram mortas e mais de 50 foram presas. Nesse meio tempo, um policial também morreu em decorrência de ferimentos durante confronto com manifestantes.

Os democratas no Congresso consideram o ocorrido como algo causado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, ao incitar seus apoiadores. Após os incidentes, o deputado democrata David Cicilline divulgou uma carta pedindo ao vice-presidente Mike Pence que destitua o presidente de acordo com a 25ª Emenda da Constituição.

Os integrantes democratas da Comissão de Justiça da Câmara dos Representantes escreveram que Trump incitou um motim e "tentou minar nossa democracia". A incitação ao motim é algo relevante: Trump convocou seus apoiadores: "Estamos indo ao Capitólio juntos para torcer por nossos bravos senadores e deputados, e estarei com vocês", disse ele em um discurso a partidários antes da tomada do Capitólio, no qual reafirmou que a eleição presidencial foi "a eleição mais corrupta da história dos Estados Unidos" e que seus apoiadores "nunca deveriam desistir".

A base jurídica para um possível impeachment do presidente Trump é a Constituição dos Estados Unidos. O Artigo 2º, Seção 4, diz que um presidente pode ser destituído do cargo em caso de "delitos ou crimes graves" (o chamado processo de impeachment). Isso pode ser iniciado pela Câmara dos Representantes e decidido pelo Senado.

Donald Trump discursa em vídeo
Sob pressão, Trump condenou ataque ao Capitólio em vídeo divulgado um dia após incidentes 

Portanto, a questão legal decisiva é: incitar uma revolta contra as instituições democráticas é um crime grave? "Há uma suspeita inicial de que alguém aqui tentou prejudicar a democracia e dar um golpe. Normalmente, num Estado de direito, isso teria de ser verificado pelo Ministério Público", diz Donald O'Sullivan, historiador da Universidade Estadual da Califórnia, em entrevista à DW. "Mas nos EUA o impeachment é um processo político, e você só pode prosseguir com ele se a maioria concordar." Ele afirma haver motivos suficientes para um processo, mas não acredita que tal medida tenha sucesso.

Os incidentes podem ser atribuídos a Trump?

Existem conexões diretas que levam a Trump. No dia da invasão do Capitólio, Trump discursou a seus partidários na frente da Casa Branca e se declarou o vencedor da eleição novamente: "Obtivemos uma vitória esmagadora."

Errado: os resultados oficiais da eleição mostram que Biden obteve 306 delegados do Colégio Eleitoral, claramente à frente de Trump, com 232. Trump também reiterou sua afirmação de que "a fraude eleitoral ocorreu em todos os estados", sem fornecer qualquer evidência. Essas alegações também foram adequadamente refutadas. A agência federal americana CISA, responsável pela segurança cibernética, afirmou que "as eleições de 3 de novembro foram as mais seguras da história dos Estados Unidos".

Ambas as narrativas são importantes para a convocação de Trump no final de seu discurso: sua suposta vitória nas eleições e a suposta fraude foram os motivos de sua convocação para que seu apoiadores fossem ao Capitólio, para dar aos parlamentares republicanos "o orgulho e a coragem de reconquistar nosso país", disse, exortando seus seguidores a serem "fortes". No Twitter, Trump contribuiu para inflamar ainda mais o clima, até que a plataforma excluiu alguns de seus tuítes e bloqueou temporariamente sua conta.

As declarações de Trump feitas pouco antes do ataque, devem, portanto, ser vistas como um chamado para marchar rumo ao Capitólio e tentar influenciar os parlamentares. O fato de Trump ter mais tarde pedido para que os manifestantes permanecessem pacíficos não muda esse fato, assim como o vídeo divulgado pelo presidente condenando a invasão, um dia depois do ocorrido.

Que Donald Trump venha assumir a responsabilidade política pelos incidentes e deixar o cargo de presidente por sua própria vontade é algo considerado praticamente fora de questão. Isso não combinaria com seu estilo político. Um afastamento antecipado do cargo teria de ser forçado por meio de um processo.

Que opções oferece a 25ª Emenda da Constituição dos EUA?

A "25ª Emenda" regula, entre outras coisas, como um presidente pode ser destituído do cargo. A adição foi criada em 1965 após o assassinato do presidente John F. Kennedy – na verdade, para situações em que o presidente não pode mais exercer o cargo, por motivo de doença, por exemplo.

A seção 4 da 25ª Emenda define como o vice-presidente e a maioria dos 15 membros do gabinete podem declarar, conjuntamente, o presidente como incapacitado. Para tanto, eles devem enviar carta ao Congresso e à Câmara dos Representantes, atestando que consideram o presidente "incapaz de exercer os poderes e deveres de seu cargo".

"Com isso, todo o poder seria retirado de Trump, e o atual vice-presidente se tornaria o chefe de governo", explica Kenneth Manusama, em entrevista à DW. O especialista em direito constitucional dos Estados Unidos é professor na Vrijen Universiteit Amsterdam. No entanto, ele levanta preocupações de que Trump poderia se defender, escrevendo para ambas as câmaras do Congresso.

"Então, a bola estaria de volta ao Congresso, onde a aprovação precisa de uma maioria de dois terços nas duas câmaras." Até então, o gabinete poderia responder com um novo certificado sobre a incapacidade de Trump para o cargo, antes que uma decisão final no Congresso tenha que ser tomada em 21 dias.

Há tempo suficiente para uma destituição até 20 de janeiro?

Destituir o presidente americano em menos de duas semanas é concebível, mas apenas sob certas condições. Se for acionada a 25ª Emenda, Trump pode ser removido do cargo imediatamente, mas apenas em caráter temporário.

Politicamente, o cabo de guerra entre o gabinete, o presidente e o Congresso poderia causar mais danos à democracia dos EUA e provavelmente se arrastaria além de 20 de janeiro, dia em que Joe Biden será empossado como o novo presidente dos EUA.

O afastamento por meio de um novo processo de impeachment também seria algo incerto, já que Trump conseguiu reverter um processo anterior de impeachment. E uma maioria de dois terços no Senado seria necessária. Especialistas estão divididos sobre se isso poderia ser alcançado no tempo que falta até 20 de janeiro.

Enquanto O'Sullivan considera isso "improvável", o constitucionalista Frank Bowman, da Universidade de Missouri, está convencido de que o afastamento poderia ser concluído mesmo em um único dia: "Eles poderiam decidir formular uma acusação contra ele até o meio-dia de amanhã, atravessar a rotunda do Capitólio até o Senado e agendar o julgamento para começar amanhã à tarde."

Trump pode ser processado pelos incidentes?

Juristas consideram possível que Trump tenha de responder por incitação. "É a acusação mais provável de ser levada adiante nesta situação, porque inclui a incitação à violência contra o Estado. E foi exatamente isso o que aconteceu no Congresso", afirma o jurista Kenneth Manusama.

O capítulo 115 da lei federal americana prevê que incitar uma revolta contra o Estado é um ato criminoso. Quem incita, ajuda ou mesmo participa de uma revolta contra a autoridade do Estado "deve ser punido de acordo com esta lei", está escrito. Uma pessoa condenada por esse delito não pode mais ocupar cargos públicos. Uma tentativa de golpe pode ser punida com até 20 anos de prisão.

Atualmente, no entanto, Trump não pode ser processado, porque é oficialmente imune a processos criminais. "Mesmo se Trump fosse destituído do cargo pela 25ª Emenda, ele não poderia ser processado, porque ainda seria legalmente o presidente", diz Manusama. Portanto, Trump só pode ser processado por seu papel no motim de 6 de janeiro após o fim de seu mandato.

E mesmo depois disso, O'Sullivan, da Universidade Estadual da Califórnia, acredita que uma prisão de Trump seja  improvável. Ele observa que, embora vários promotores públicos já estejam trabalhando em acusações sobre possíveis delitos envolvendo fraudes financeiras e fiscais, uma condenação por tentativa de golpe não seria realista.

"Tal processo é delicado. Deve-se notar que muitos dos manifestantes seriam, então, considerados culpados. Isso causaria uma cadeia de processos judiciais." E isso poderia prejudicar a meta central do novo presidente Joe Biden: unir o país novamente.

 


Noticia: dw.com


quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

De onde vêm e para onde vão as vacinas contra a covid-19?

 De onde vêm e para onde vão as vacinas contra a covid-19?

Na luta contra a pandemia, várias fabricantes estão correndo para fornecer doses de vacinas contra o coronavírus mundo afora, de proveniências diversas e em diferentes fases de aprovação. A DW resumiu o cenário atual.

Mulher com máscara protetora segura frasco de vacina

Ao menos 73 vacinas contra o coronavírus Sars-Cov-2, causador da covid-19, estão atualmente em desenvolvimento no mundo, segundo monitoramento feito por especialistas da Universidade McGill, nos EUA. Seis delas já superaram as barreiras para uso na população em ao menos um país, e outras estão em uso há meses mesmo sem ter passado por todos os obstáculos. Confira:

Moderna

A vacina contra a covid-19 produzida pela companhia americana de biotecnologia Moderna foi aprovada para uso público nos Estados Unidos em dezembro de 2020. A Comissão Europeia deu luz verde nesta quarta-feira (06/01) para o uso da vacina na União Europeia.

A Moderna declarou que produzirá a "vasta maioria" de seu imunizante em Cambridge, Massachusetts, onde tem sua sede. A empresa pretende produzir um mínimo de 600 milhões de doses neste ano, mas a meta de prover até 1 bilhão de doses em 2021.

A UE encomendou 80 milhões de doses, com a opção de comprar outros 80 milhões, enquanto os EUA reservaram 200 milhões de doses, com opção para mais 300 milhões, e o Canadá, onde também está aprovada, encomendou 40 milhões. O Reino Unido, Japão, Suíça e Coreia do Sul igualmente fizeram reservas.

Oxford-AstraZeneca

A substância fabricada pela farmacêutica anglo-sueca AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford foi licenciada para uso no Reino Unido, Índia e Argentina. A meta é disponibilizar cerca de 3 bilhões de doses em 2021, como informou em novembro Adrian Hill, diretor do Instituto Jenner de Oxford.

Produzir uma vacina global exigiu estabelecer "cadeias de fornecimento regionais com mais de 20 parceiros de 15 países", consta da declaração em vídeo do vice-presidente de Operações Biológicas Globais da AstraZeneca, Per Alfredsson, no site da companhia.

Os primeiros lotes da Europa virão da Alemanha e Bélgica, comentou à imprensa, em dezembro, Ian McCubbin, chefe de fabricação da Força-Tarefa de Vacinas britânica. As doses também serão fabricadas pelo Serum Institute of India, o maior fabricante de vacinas do mundo.

A vacina da Oxford e da AstraZeneca é a priorizada pelo governo brasileiro para a imunização contra a covid-19. Nesta terça-feira, o Itamaraty afirmou que está confirmada a importação pelo Brasil da carga de 2 milhões de doses da vacina produzidas na Índia, o que pode permitir iniciar a imunização dos brasileiros pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ainda em janeiro. A importação excepcional dessas doses havia sido anunciada no sábado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Segundo um acordo assinado entre Fiocruz e AstraZeneca/Oxford, 100 milhões de doses serão produzidas a partir do princípio ativo importado do parceiro da AstraZeneca na China, que então será preparado, envasado e rotulado no Brasil. Durante o segundo semestre de 2021, a Fiocruz terá o controle total da tecnologia e passará a produzir também o princípio ativo no país.

A Fiocruz afirma que pretende fazer o pedido para autorização de uso do imunizante no Brasil nos próximos dias.

BioNTech-Pfizer

Primeira vacina contra o coronavírus autorizada para uso na UE, a produzida pela firma alemã de biotecnologia Biontech e a gigante farmacêutica americana Pfizer foi também aprovada nos EUA, Reino Unido, Arábia Saudita e 19 outros países.

A droga foi produzida nas instalações de ambas as parceiras na Alemanha e Bélgica, entre outras locações, divulgou a Pfizer. Como parte de sua estratégia de vacinação, a UE fechou acordos com seis produtoras, mas até o momento as da Biontech e da Moderna são as únicas aprovadas para uso no bloco.

A companhia sediada em Mainz declarou que pretende começar a produção "muito antes do planejado" numa nova fábrica em Marburg, no centro da Alemanha. Com abertura prevista para fevereiro, a nova locação terá capacidade para 250 milhões de doses adicionais, totalizando assim 750 milhões de doses por ano.

Juntas, BioNTech e Pfizer pretendem fabricar 1,3 bilhão de doses para uso global em 2021, segundo comunicado da Pfizer. A UE encomendou 300 milhões, e os EUA, 200 milhões de doses.

Sputnik V

Peritos em saúde ficaram chocados quando, em agosto de 2020, meses antes do resto do mundo, a Rússia se tornou o primeiro país a aprovar uma vacina. Desde então, sua Sputnik V foi licenciada para uso em Belarus, Argentina e Guiné. Cientistas na Rússia e em outros países questionaram a decisão de aprovar a vacina antes da fase 3 de testes, que normalmente dura meses e envolve milhares de pessoas. 

Desenvolvida pelo Instituto de Pesquisa Gamaleya e o Ministério da Saúde da Federação Russa, a droga tem produção financiada pelo Fundo Soberano da Rússia (RDIF). De acordo com este, a vacina será fabricada por firmas parceiras no Brasil, China, Índia, Coreia do Sul e outros. Mais de 50 países encomendaram mais de 1,2 bilhão de doses, segundo site do RDIF sobre a Sputnik 5.

Sinopharm

No início de janeiro de 2021, agências reguladoras concederam licença "condicional" para uma vacina desenvolvida na unidade de Pequim da China National Pharmaceutical Group Corporation, ou Sinopharm. Ela ainda está sendo submetida aos últimos estágios de testes clínicos.

Embora a China esteja atrasada em relação a outros países na aprovação formal de vacinas contra o novo coronavírus, milhões de cidadãos – sobretudo membros de setores-chave, como saúde, alimentação e assistência comunitária – já foram inoculados, no âmbito de um programa de emergência.

Agora a China está se concentrando em vacinar outros milhões de indivíduos, antecipando o feriado do Ano Novo Lunar, em fevereiro, quando centenas de milhões viajam por todo o território nacional. Está em uso, ainda, e igualmente nas fases finais de testes, uma segunda substância candidata, desenvolvida pela unidade da Sinopharm na cidade de Wuhan.

Os Emirados Árabes Unidos aprovaram a vacina de Pequim em dezembro, já tendo recebido 3 milhões de doses, segundo o China National Biotec Group, uma subsidiária da Sinopharm. Segundo a agência de notícias Reuters, o Bahrein também já aprovou o imunizante, e o Paquistão pretende comprar 1,2 milhão de doses.

O jornal estatal China Daily estima em 1 bilhão de doses a capacidade anual total a ser alcançada pela Sinopharm até o fim de 2021.

Coronavac

Assim como a da Sinopharm, a Coronavac, vacina contra o vírus Sars-Cov-2 da Sinovac, sediada em Pequim, ainda está na fase final de testes, mas já sendo ministrada à população.

Uma unidade da firma biofarmacêutica recém-construída na capital chinesa pode produzir 300 milhões de doses por ano, como declarou seu presidente e diretor executivo, Yin Weidong, à emissora de TV estatal chinesa CGTN.

Chile, Cingapura e Turquia já encomendaram doses. A Indonésia já recebeu seu lote, em meio a preparativos para uma campanha de vacinação em massa.

No Brasil, o Instituto Butantan, ligado ao governo de São Paulo, já importou doses da Coronavac. O governo paulista diz que seu estoque já chega a 10,8 milhões de doses, e as autoridades paulistas preveem que a imunização no estado comece em 25 de janeiro, mas ainda não solicitaram o registro à Anvisa.

A Coronavac está no centro de uma guerra política entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador João Doria. O governador paulista negociou a vacina diretamente com os chineses, diante da falta de ação do governo federal.

Covaxin

A indiana Bharat Biotech International Limited desenvolveu a Covaxin, aprovada em caráter de emergência na Índia em 3 de janeiro de 2021, juntamente com a vacina da Oxford-AstraZeneca.

Embora o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, tenha classificado o produto de uma "virada no jogo", especialistas de saúde criticaram o fato de não terem sido concluídos nem os devidos testes, nem a revisão científica independente (peer review).

À imprensa, o presidente da Bharat Biotech, Krishna Ella, afirmou que a autorização emergencial é perfeitamente válida sob as atuais circunstâncias, e que 20 milhões de doses já estão disponíveis. Em 2021, a empresa planeja fabricar cerca de 700 milhões de doses, em quatro instalações no país, um dos mais atingidos pelo coronavírus.


Noticis: dw.com

 

 

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Brexit: veja o que muda nas relações entre a UE e o Reino Unido

 Brexit: veja o que muda nas relações entre a UE e o Reino Unido

Acordo entrou em vigor provisoriamente em 1º de janeiro

Bandeiras da União Europeia na sede da Comissão Europeia em Bruxelas, Bélgica.

O acordo de comércio e parceria entre a União Europeia (UE) e o Reino Unido entrou em vigor, provisoriamente, no dia 1º de janeiro e será mantido até o último dia de fevereiro. Até lá, o Parlamento Europeu terá que analisar, fiscalizar e aprovar para que em março o documento assinado pelas duas partes passe a gerir, de forma definitiva, as relações entre os 27 países do bloco e o Reino Unido.

O acordo aplica-se a todas as relações que se estabelecerem entre a UE e o Reino Unido desde o primeiro dia deste ano. Esse detalhe faz a diferença para quem já trabalhava e residia no Reino Unido e quem pretende fazê-lo agora, por exemplo.

O chefe do secretariado da Comissão de Assuntos Constitucionais do Parlamento Europeu, José Luís Pacheco, falou sobre algumas das principais questões que se colocam a partir de agora.

1 – A situação dos europeus que trabalham ou querem trabalhar no Reino Unido

Para os cidadãos que já estão no Reino Unido e que pediram o estatuto de residente ou de pré-residente permanente não vai haver mudanças, porque os direitos foram salvaguardados pelo acordo de saída que entrou em vigor há um ano.

Para já, 328 mil portugueses pediram o direito de residência no Reino Unido, que devem obter, de forma definitiva, até junho deste ano. A partir dessa data, quem não tiver esse estatuto, estará em situação irregular no país.

O acordo não estabelece regras específicas para os europeus que querem, agora, ir trabalhar ou residir no Reino Unido. Londres não aceitou que houvesse entendimento para o futuro no que se refere a essa questão. Para quem quiser ir trabalhar no Reino Unido, serão aplicadas as regras de emigração daquele território.

Entre outras coisas, será necessário obter um visto ainda no país de origem. O trabalhador tem que comprovar que tem uma oferta de emprego e que possui as habilitações necessárias para desempenhar as funções que vai exercer. Será necessário também comprovar que vai receber pagamento compatível com as tabelas salariais do país.

2 - O acesso dos estudantes europeus ao ensino no Reino Unido

O Reino Unido decidiu sair do programa Erasmus, alegando que há mais estudantes europeus no país do que britânicos na Europa. O primeiro-ministro Boris Johnson considerou que era dificil manter, economicamente, essa parceria.

No entanto, os estudantes do Erasmus que já estão em território britânico e incluídos no programa podem continuar até o fim do intercâmbio, porque esses deslocamentos e estadias já foram devidamente autorizadas e financiados pelo orçamento comunitário anterior, o último do qual o Reino Unido fez parte.

Londres quer agora criar o seu próprio programa de intercâmbio de estudantes e, por isso, será necessário esperar para conhecer as regras e condições. Para os estudantes europeus que participam do programa de intercâmbio Erasmus, o Reino Unido era o quarto destino mais procurado.

A partir de agora, os europeus que queiram ir estudar no Reino Unido, sem ser por meio de um programa de intercâmbio, precisam obter um visto no país de origem e comprovar que há vaga na universidade que pretendem frequentar, que dominam a língua inglesa e que têm meios de subsistência. É que estudar no Reino Unido passará a ser mais caro.

Se até agora qualquer estudante europeu em solo britânico não podia ser discriminado e era tratado como um cidadão da União com os mesmos direitos e os mesmos encargos financeiros de um cidadão britânico, a partir de janeiro deste ano vão ter que pagar as propinas e os custos de um cidadão de países terceiros o que, na maioria dos casos, pode significar o dobro do que pagavam até agora

3 – O acesso dos pescadores europeus a águas do Reino Unido

Esta foi uma das áreas que mais dividiu as duas partes. A União Europeia defendeu o direito de acesso dos pescadores europeus a águas britânicas como uma das contrapartidas do acesso, sem quotas e sem taxas aduaneiras, do Reino Unido ao mercado de 450 milhões de consumidores dos 27.

No acordo agora em vigor, está estabelecido que os pescadores europeus vão perder, gradualmente e durante cinco anos, 25% das cotas de pesca em águas britânicas. Depois destes cinco anos, as possibilidades de captura vão ser negociadas ano a ano.

Se é um fato que os pescadores europeus pescam mais no Reino Unido do que os pescadores britânicos na Europa, também é verdade que Londres exporta, para o mercado da União Europeia, cerca de dois terços dos derivados de pesca que produz.

A questão da pesca foi importante, não por causa do valor econômico que representa – perto de 700 milhões de euros por ano quando o valor do comércio total entre as duas partes é de 700 bilhões – mas pela importância que tem para as comunidades costeiras europeias.

Portugal não é um dos países da União Europeia com maior atividade pesqueira em águas do Reino Unido. O ministro do Mar, Ricardo Serrão Santos, admite interesse na troca pela captura de outras espécies.

4 – O acesso a cuidados de saúde dos europeus no Reino Unido

Em visitas de curta estadia, o cartão europeu de saúde mantém-se como válido para permitir que os europeus recebam cuidados de saúde no Reino Unido e os britânicos em solo europeu.

O acerto de contas será feito depois entre os sistemas de segurança social dos países envolvidos.

Diferente será a situação para quem vai trabalhar ou residir no Reino Unido. Nesse caso, serão aplicadas as regras nacionais britânicas de segurança social e acesso à saúde.

Essa é uma das áreas em que se admite que, ne futuro, as duas partes possam avançar para acordos mais específicos e definir situações que não estão contempladas no acordo de comercio e parceria.

O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, afirmou, depois de firmado o acordo, esperar uma próxima cooperação entre as duas partes, para enfrentar a pandemia de covid-19 e mesmo um tratado para cooperação na área de questões sanitárias.

5 – A confiança dos consumidores europeus na qualidade dos produtos que chegam do Reino Unido

Não existem, no momento, razões para que os consumidores europeus possam desconfiar da qualidade dos produtos importados do Reino Unido, porque as condições de controle sanitário, por exemplo, devem sempre respeitar as exigências de quem importa.

O acordo encontrou formas de simplificar as trocas comerciais, de forma a que um excessivo controle sanitário não bloqueasse o fluxo de bens.

Um aumento desse tipo de fiscalização pode, no entanto, ocorrer a qualquer momento, se os serviços aduaneiros da União Europeia registarem consequentes inconformidades com as regras estabelecidas.

6 – O que vai ser exigido a quem viaja para o Reino Unido

O Reino Unido, quando fazia parte da União Europeia, não integrava o espaço Schengen, e as regras que vigoravam até agora vão ser mantidas.

Quem viajar de e para o Reino Unido continuará a ter que apresentar os documentos, na partida e na chegada e, no caso dos aeroportos, em áreas diferentes das que são destinadas a cidadãos de países que integram o acordo de Schengen, que permite a livre circulação de pessoas dentro dos países signatários, sem a necessidade de apresentação de passaporte nas fronteiras. Mas não será necessário obter um visto prévio no caso das viagens de curta duração – até 90 dias – em turismo ou em negócios.

Até outubro deste ano, porém, será suficiente a apresentação do cartão de cidadão, mas a partir dessa data será exigida a exibição de um passaporte.

7 – A questão da concorrência e das empresas da União Europeia e do Reino Unido

Conseguir uma concorrência justa e livre entre as duas partes foi sempre uma das prioridades da União Europeia. O negociador chefe, Michel Barnier, sempre insistiu na necessidade de aplicar critérios de level playing field, criando as condições para que todos possam ter a mesma possibilidade de sucesso no mercado, sem regras ou apoios que possam distorcer uma concorrência justa.

Nesse sentido, os apoios e subsídios estatais às empresas devem ser adequados e não permitir situações de vantagem no mercado.

Se uma das partes considerar que as ajudas que estão a ser atribuídas às empresas são contrárias ao que ficou acordado, pode recorrer a um tribunal arbitral e, em último recurso, impor sanções que podem passar pela proibição de importação de produtos provenientes da indústria que está a ser subsidiada por Bruxelas ou Londres.

O Reino Unido queria impor as suas próprias regras, mas a União Europeia entendeu que um acesso sem tarifas, direitos alfandegários e limites à importação seria necessário para que não existissem regras de distorção do mercado ou, em alternativa, a imposição de impostos alfandegários ou um limite às importações. No acordo agora alcançado, optou-se pela criação de situações de base justas com a definição das ajudas de Estado que são compatíveis com uma concorrência saudável.

8 – Os futuros acordos bilaterais e serviços bancários e financeiros

A partir de agora, os países da União Europeia podem desenvolver acordos bilaterais ou multilaterais com o Reino Unido em áreas que não estejam abrangidas – ou estejam apenas em certas questões - pelos acordos já assinados. Mas a mais significativa dessas áreas é a dos serviços financeiros.

Com o fim da liberdade de serviços entre as duas partes, os bancos e as seguradoras britânicas que queiram prestar serviços na UE têm que necessariamente se estabelecer em um dos Estados-membros. A partir daí, um Estado-membro pode celebrar acordos bilaterais que abordem a forma de funcionamento desses serviços.

Outra área em que, no futuro, podem ser assinados acordos bilaterais é a da emigração. As exigências para trabalhar, residir ou estudar podem ser definidas caso a caso entre o Reino Unido e um dos países da União Europeia.

9 – O transporte de pessoas e mercadorias entre a União Europeia e o Reino Unido

O acordo entre a UE e o Reino Unido prevê que se mantenham os transportes de pessoas e mercadorias por terra, mar e ar, mas com algumas alterações.

No caso do transporte aéreo de passageiros, é possível a uma companhia aérea britânica voar de um ponto do Reino Unido até um país da União Europeia, mas já não poderá fazer escala num Estado-membro e viajar para outro e só depois regressar a um aeroporto do país de origem.

No caso do transporte de mercadorias, poderá ser possível fazer escalas, até para impedir que os veículos regressem vazios, o que teria um custo ecológico e ambiental que as duas partes querem evitar.

10 – Cooperação com o Reino Unido em programas de investigação e ciência

O Reino Unido saiu da maioria dos programas europeus – alguns bem significativos como o Erasmus – mas será mantida estreita cooperação em outras áreas. São exemplos o programa Horizonte Europa, o Programa de Inovação e Investigação em Ciência, o programa Copernicus e o Programa de Observação da Terra, com grande relevância no estudo e combate às alterações climáticas.

O trabalho conjunto entre europeus e britânicos pode se estender a outras áreas.

Já é possível que outros Estados participem de programas da União Europeia, desde que também contribuam para o financiamento. O mesmo terá que ocorrer sempre que o Reino Unido queira ser parte integrante de um projeto/programa europeu: terá que o financiar no montante e na forma definidos.

Especialistas consideram desejável que isso aconteça também em áreas como a de segurança, defesa e política externa, nas quais os objetivos são comuns. Será preciso vontade política entre as duas partes.

 

Noticia: Agência Brasil