Advogado
negro é preso após filmar abordagem policial em Curitiba
Vídeos e contradições nos registros policiais
apontam perseguição por parte dos agentes
Franciele
Petry Schramm
Brasil de
Fato | Curitiba (PR)
03 de
Agosto de 2017 às 15:26
Denúncia foi transmitida ao vivo pelo Facebook / Arquivo / Renato
Almeida Freitas Júnior
O advogado curitibano Renato
Almeida Freitas Júnior acusa policiais militares de terem cometido racismo ao
ter sido abordado e preso na tarde do último domingo (30), no Bairro Alto da
Glória, em Curitiba. Após ter sido revistado e xingado pelos policiais, o
advogado filma uma conversa com os agentes. No vídeo – transmitido ao vivo pelo
Facebook – o rapaz questiona porque os policiais o chamaram e a seu amigo David
Eutachio de “lixo” e falaram que gostariam de vê-lo “embaixo da terra”. Os
policiais tentaram excluir o material de celular, e prenderam Renato sob a
alegação de desacato. Nas redes sociais, o jovem denunciou as agressões e a
seletividade da abordagem policial.
O caso ocorreu perto das 16h30,
na região próxima ao estádio Couto Pereira, no momento em que o Coritiba
enfrentava o Atlético Mineiro. Freitas conta que voltava de de uma conversa com
um cliente, quando ele o amigo David Eutachio foram abordados e revistados por
policiais. “Perguntaram um monte de coisas e no final ainda falaram ‘então
podem ir seus lixos. Eu tenho nojo de vocês’”, relata. O advogado disse que, no
primeiro momento, ficou sem reação, mas que enquanto se afastava percebeu que
estava sendo vítima de racismo e que deveria enfrentar a situação. Voltou para
questionar as ações dos policiais, enquanto transmitia a conversa ao vivo.
Quando percebeu que o policial iria tirar o celular, parou a filmagem.
Freitas estava vestido com roupas
para ir a um churrasco em seguida, e não portava sua carteira da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB), quando foi abordado. Os policiais não
acreditaram que o rapaz – que é também mestre em Direito pela Universidade
Federal do Paraná – fosse um advogado.
Uma jovem que passava no local
viu a abordagem e começou a filmar a ação. Em seguida, reconheceu Renato. “[Os
policiais] Estavam sendo bem violentos”, conta. No vídeo, é possível ver o
momento em que o policial percebe a presença da mulher e justifica “Acabaram de
roubar um celular, esses ‘jaguaras’”.
No Termo Circunstanciado -
registro da ocorrência -, a polícia alegou que a abordagem foi realizada após a
denúncia de roubos de carros na região, mas que o jovem foi preso por desacato.
Freitas foi encaminhado para a Delegacia
Móvel de Atendimento ao Futebol e Eventos (Demafe), e foi liberado após assinar
um termo onde se compromete a participar de uma audiência no dia 25 de agosto.
“Ninguém quis saber nossa versão. E eu ainda consigo ter voz hoje”, avalia.
O rapaz deve participar de uma
audiência no 13º Juizado Especial Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, no
próximo dia 25 de agosto.
Novo episódio
Essa não foi a primeira vez que o
advogado foi abordado por policiais. Em agosto 2016, durante o período
eleitoral onde Renato concorria ao cargo de vereador de Curitiba, o jovem foi
preso enquanto ouvia rap no centro da cidade. Agentes da Guarda Municipal o
detiveram sob a alegação de desacato. Na época, Renato apontou que foi preso
após ter pedido para acompanhar uma vistoria no interior no seu carro, e
denunciou agressões e xingamentos por parte dos agentes.
Não faltam outras histórias
parecidas na vida do rapaz - foram mais de dez registros de abordagem: “Eu sou
uma pessoa que vem da periferia. Já vivi isso outras vezes”, relata. E cada uma
delas revela o racismo presente na ação. Como da vez em que, de um grupo de
cinco pessoas, apenas os três homens negros foram revistados. “É uma amostra do
que acontece na quebrada”.
Outro caso de perseguição pela
cor da pele também ganhou ampla repercussão recentemente em Curitiba. No dia 13
de julho deste ano, o advogado Juliano Trevisan também foi impedido de entrar
em um bar por estar vestindo camisa e gravata pretas. Um dos funcionários do
local alegou que o rapaz “parecia um segurança” e que iria ser confundido no
interior do local.
Racismo institucional
Os dados do sistema prisional
brasileiro apontam uma grande disparidade entre brancos e negros: mais de 60%
das pessoas presas no país são negras, segundo dados do Levantamento Nacional
de Informações Penitenciárias, de 2014.
No Paraná, uma pesquisa realizada
pelo Ministério Público no primeiro semestre de 2016 também chamou a atenção
para outro resultado: quase metade das pessoas mortas pela polícia era negras,
apesar apenas 28% dos habitantes do estado serem negros.
Edição:
Ednubia Ghisi