sábado, 13 de maio de 2017

Escravos e a proteção dos seus senhores



Divergências sobre trabalho escravo atrasam regulamentação, diz procurador
  • 13/05/2017 15h47
  • Brasília









Débora Brito - Repórter da Agência Brasil
A Emenda Constitucional do Trabalho Escravo, promulgada em 2014, ainda não foi regulamentada. O texto determina que as propriedades onde forem encontradas práticas de exploração de trabalho escravo devem ser desapropriadas. A proposta de emenda à Constituição (PEC) levou 15 anos para ser apreciada pelos parlamentares.

Pelo texto, que alterou o Artigo 243 da Constituição Federal, as áreas rurais ou urbanas que contenham cultivo de drogas, além da exploração de mão de obra, devem ser destinadas à reforma agrária ou a programas de habitação popular, sem qualquer indenização para o proprietário.

A chamada PEC do Trabalho Escravo, que chegou a ser considerada por alguns apoiadores como a “segunda abolição da escravatura” no país, foi defendida por diversas entidades civis e instituições ligadas à Justiça do Trabalho, mas fortemente criticada por integrantes da bancada ruralista do Congresso.

A PEC começou a tramitar em 1999 no Senado, onde foi aprovada de imediato. Na Câmara, foi aprovada em primeiro turno em 2004, mas o segundo turno da votação, necessário por se tratar de mudança à Constituição, só ocorreu em 2012. E dois anos depois, em 2014, teve sua apreciação concluída novamente pelo Senado.

A emenda, no entanto, deve ser regulamentada por lei complementar para ter validade prática. Para o vice-coordenador nacional da Coordenadoria de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete) da Procuradoria-Geral do Trabalho, Maurício Ferreira, o atraso na regulamentação se deve a divergências em torno do conceito de trabalho escravo.

“A ausência da regulamentação deixa muito a desejar porque ela não traz a efetividade desejada pela PEC. Ou seja, embora a Constituição tenha modificado os critérios para que haja a expropriação [das terras], na prática ela ainda não vem ocorrendo. A grande questão de fundo nisso aí é a modificação do conceito de trabalho escravo, que eles querem fazer um retrocesso na nossa legislação”, disse Ferreira.

Atualmente, a legislação brasileira considera trabalho escravo qualquer atividade laboral que submeta o empregado a “trabalhos forçados ou à jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”, conforme redação do Código Penal.

Para quem comete o crime de redução do empregado à condição análoga à escravidão, o código prevê prisão de dois a oito anos e multa, além da pena correspondente à violência cometida contra o empregado. A pena é aumentada pela metade se o crime for cometido contra criança e adolescente ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

Segundo o procurador, tramitam no Congresso duas propostas (uma na Câmara e outra no Senado) que, para ele, seguem na contramão da Emenda Constitucional do Trabalho Escravo e buscam restringir a definição de escravidão. “[As propostas] defendem que haja a classificação do trabalho escravo apenas quando houver o cerceamento da liberdade. Ou seja, é um conceito da época da escrava Isaura, aquela figura do escravo acorrentado, sem liberdade, o que não ocorre nos dias de hoje. Hoje, a escravidão acontece por condições indignas de trabalho ou por uma jornada tão extenuante que o trabalhador muitas vezes não consegue recompor sua força pra sobreviver”, disse.

Saiba Mais
Uma das propostas que mudam as regras do trabalho rural e afetam a forma como é considerada a escravidão foi apresentada na Câmara no fim do ano passado pelo deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária.

A proposta estabelece que o empregado rural é aquele que “presta serviços de natureza não eventual a empregador rural ou agroindustrial, sob a dependência e subordinação deste e mediante salário ou remuneração de qualquer espécie”. O texto ainda retira a responsabilidade do empregador sobre acidentes ocorridos com o trabalhador em veículos da empresa e permite a realização de jornadas diárias de até 12 horas em determinadas situações.

No bojo das discussões da reforma trabalhista, a proposta de Nilson Leitão causou polêmica e gerou forte reação de diversas entidades de defesa dos direitos humanos. Em nota, o parlamentar se defendeu dizendo que houve uma “interpretação equivocada” do projeto e pediu à presidência da Câmara para suspender a comissão especial que foi criada para discutir a proposta.

O deputado propôs a realização de uma comissão geral no plenário da Câmara com a presença de diferentes segmentos da sociedade para discutir o projeto. Ele reafirmou que sua intenção é tornar a lei autoaplicável, dando segurança jurídica para todas as partes envolvidas, mas principalmente modernizando, garantindo e formalizando os direitos dos trabalhadores rurais.

Enquanto isso, integrantes do Ministério Público do Trabalho tentam avançar nas negociações em torno da regulamentação da Emenda Constitucional do Trabalho Escravo de forma a manter o conceito atual. “O conceito brasileiro de trabalho escravo, no Código Penal, é um conceito excelente, inclusive, vários países têm replicado esse conceito nacional. E a bancada ruralista quer diminuir as hipóteses de incidência do trabalho escravo por meio do conceito. Então, o grande entrave é esse aí”, afirmou Ferreira.

As negociações em torno da forma como deve ocorrer a regulamentação estão sendo conduzidas pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo no Senado. Na última quinta-feira (11), ocorreu uma reunião entre a equipe do senador e integrantes do MPT para tratar da regulamentação. O encontro, contudo, não resultou em nenhum avanço, segundo o procurador.

Apesar da falta de regulamentação, o Ministério Público do Trabalho acredita que o Poder Judiciário pode aplicar a expropriação uma vez confirmada a condição análoga à escravidão na propriedade. “O nosso entendimento é que, a partir do momento que haja alguma sentença transitando em julgado reconhecendo o trabalho escravo, seja possível sim que haja a expropriação da terra, independentemente dessa regulamentação”, declarou o procurador.

Ferreira disse que já há algumas decisões isoladas no país em favor do que prevê a emenda, mas afirmou que ainda não há um levantamento de quantas sentenças foram proferidas no sentido de expropriar terras onde ocorram escravidão nos últimos três anos. O procurador explicou que os processos dessa natureza levam muitos anos para serem julgados e que, para valer de fato, a decisão de expropriar deve seguir até a última instância da Justiça.

Crime imprescritível
Já no Senado, há uma nova PEC que visa tornar a prática de submeter um trabalhador a condições análogas à escravidão um crime imprescritível. A proposta baseia-se no entendimento adotado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Em uma das sentenças proferidas pela corte, há a recomendação para que o Estado adote “as medidas necessárias para garantir que a prescrição não seja aplicada ao delito de direito internacional de escravidão e suas formas análogas”.

“A gente defende a imprescritibilidade do crime de trabalho escravo, porque a própria teoria de direitos humanos diz que existem dois direitos que são absolutos: um é o direito de não ser torturado e o outro é o direito de não ser escravizado. Como o direito de não ser escravizado não comporta nenhum tipo de relativização, a gente sustenta que também deveria ser imprescritível o crime. A gente acha que essa mudança legislativa vem em ótimo tom, em ótimo momento, na toada de combate ao trabalho escravo”, destacou o procurador.

A PEC, que prevê ainda a reclusão do responsável pelo crime, foi a apresentada no mês passado e aguarda análise da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).

Edição: Juliana Andrade


quarta-feira, 3 de maio de 2017

A reforma política



Gilmar diz que sem reforma política, Supremo deve proibir coligações partidárias
  • 03/05/2017 12h02
  • Brasília




Felipe Pontes - Repórter da Agência Brasil
 
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, afirmou hoje (3) que, caso o Congresso Nacional não aprove uma reforma política válida já para as próximas eleições, o Supremo Tribunal Federal (STF), do qual ele também faz parte, será levado a proibir em breve as coligações partidárias.

Os recentes casos de corrupção no financiamento de campanhas de partidos coligados, que estão sendo julgados tanto no TSE como no STF, têm mobilizado os ministros de ambas as cortes a impulsionarem a proibição, afirmou Gilmar Mendes. 

“Isso vai certamente levar o Supremo, daqui a pouco, a reagir, como reagiu em relação à doação corporativa, proibindo a doação de empresas privadas. Certamente, isso vai levar o Supremo a, se não vier uma reforma política, reagir também, proibindo as coligações”, acrescentou o ministro.

Pelo sistema que vigora atualmente nas eleições proporcionais para a Câmara dos Deputados, por exemplo, o candidato de um partido que recebeu um grande número de votos pode fazer com que o candidato de outro partido menor, da mesma coligação, seja eleito com uma quantidade relativamente pequena de votos, devido ao chamado quociente eleitoral. Tal ponto vem sendo criticado por Mendes por, segundo ele, gerar distorções no compartilhamento de recursos de campanha.

As declarações do ministro foram dadas após ter recebido, nesta quarta-feira (3), em seu gabinete no TSE, 29 deputados que integram a comissão de reforma política na Câmara, incluindo o presidente do colegiado, Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), e o relator da matéria, Vicente Cândido (PT-SP).

Questionado se daria tempo de aprovar uma reforma político-eleitoral antes de outubro, limite para que as mudanças sejam válidas para as eleições majoritárias do ano que vem, Vieira Lima respondeu: “tem que dar”. Ele ressaltou que o financiamento de campanha é o tema que tem impulsionado a urgência da proposta.




Continuidade do Caixa 2

O ministro Gilmar Mendes ressaltou que se não houver mudanças em relação ao financiamento de campanha, a insuficiência de recursos levará ao aumento das irregularidades, abrindo espaço inclusive para a participação, por exemplo, de organizações do tráfico de drogas na política.

“Vai ser uma eleição certamente muito judicializada e também policializada, por conta da inexistência de recursos públicos se não houver a mudança no sistema. Inexistência de recursos privados. Certamente vamos ter caixa 2, vamos ter dinheiro do crime. Certamente vai ser uma eleição policial e policialesca”, disse ele, que citou o México como país que convive com esse tipo de problema.

Mendes voltou a afirmar que o Brasil necessita de um “Plano Real” no campo da política, que proporcione um “salto no plano civilizatório”, capaz de levar o país a superar a corrupção sistêmica ligada às campanhas eleitorais, assim como foi superada a inflação crônica nos anos 1990.



José Dirceu

Perguntado sobre as declarações dadas ontem (2) pelo procurador da República Daltan Dalagnol, coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, que questionou a decisão do Supremo de libertar o ex-ministro José Dirceu, Gilmar Mendes evitou responder.

“O que eu disse está no meu voto, que foi um voto histórico, pode anotar”, disse o ministro.

Na tarde de terça-feira, a Segunda Turma do STF decidiu, por 3 votos a 2, pela revogação da ordem de prisão de Dirceu. Empatado, o julgamento acabou definido por Gilmar Mendes, último a votar.

Edição: Valéria Aguiar